O Porteiro da Consciência

A substância que ativa o cérebro
Em meados do século passado (1949), o americano Horace Magoun e o italiano Giuseppe Moruzzi fizeram uma incrível descoberta, por engano. Eles estudavam gatos anestesiados quando inadvertidamente estimularam a formação reticular de um dos felinos, localizada no mesencéfalo. Naquele exato momento, o eletroencefalograma (EEG) mudou o traçado prévio compatível com o estado de sono profundo e passou a acusar um estado semelhante ao de vigília. Animados pela descoberta, Magoun e Moruzzi observaram ainda que a estimulação da mesma região do tronco encefálico não só alterava o traçado do EEG como provocava um estado de alerta nos gatos. Os animais, sonolentos ou adormecidos, mas não anestesiados, recuperavam a “consciência”. Eles haviam descoberto uma substância inerente ao sistema nervoso capaz de ativar o cérebro – a SARA.
“Porteiro da consciência”, “centelha da mente” e “pântano neuronal” são outras denominações desta formação reticular localizada no tronco encefálico, mais especificamente no bulbo, mesencéfalo e transição mesencéfalo-pontina. A SARA (Substância Ativadora Reticular Ascendente) está envolvida na regulação dos ciclos do sono e em ações como o despertar; atua também filtrando os estímulos sensoriais antes que os mesmos sejam percebidos pelos núcleos diencefálicos e córtex cerebral. De maneira geral, como os cientistas Magoun e Moruzzi já haviam constatado há mais de 60 anos, a SARA intervém na regulação do estado de vigília. Vale ressaltar: mais ou menos nessa época, o fisiologista suíço Walter Hess descobriu que a estimulação do tálamo com pulsos de baixa frequência produzia um sono de ondas lentas, conforme ficou evidenciado em seu experimento registrado em EEGs.
A “consciência” passou, então, a ser entendida como um processo contínuo que emergiria basicamente de relações entre o córtex, algumas formações do diencéfalo e formação reticular. Como hoje se sabe, o coma e outros estados de inconsciência podem ser produzidos tanto pela destruição da SARA, como também pela inativação de grandes extensões da superfície cortical.
De maneira geral, os neurônios internunciais curtos que formam a zona reticulada da SARA podem atuar, do ponto de vista eletrofisiológico, em um sistema ascendente, através do diencéfalo, sobre o córtex cerebral, ou através de vias descendentes, as quais influenciam os sistemas sensitivo-motores da medula espinhal.
O sono e a SARA
Faz todo o sentido. Existe um relógio biológico neurológico para o sono, um ritmo circadiano que depende fundamentalmente da produção de certos neurotransmissores por parte da formação reticular, produção esta que sofre influência de uma gama de fatores.  Atualmente, a maioria dos investigadores concorda que um componente chave do sistema ativador reticular é composto por um grupo de núcleos produtores de acetilcolina, localizados na transição entre ponte e mesencéfalo, responsáveis pelas projeções de inúmeros neurônios talamocorticais. Esses mesmos núcleos encontram-se ativos durante a vigília e o sono-REM. Todavia, outras vias neurais correlatas também interferem diretamente no sono. É o caso dos núcleos da rafe e do locus coeruleus, com suas projeções serotoninérgicas e monoaminérgicas, respectivamente. O início do sono seria dado pela inibição de algumas dessas vias, através da atividade do núcleo hipotalâmico pré-óptico ventrolateral (POVL).
Considerações sobre a consciência
O conceito de consciência é intuitivo. É uma tarefa difícil ou quase impossível descrevê-la adequadamente em palavras. Algumas das definições mais aceitas afirmam que a consciência é o estado subjetivo de algo percebido, esteja este algo dentro ou fora de nós. Não há definição consensual. Mas ela remete à opinião, ou à experimentação de algo oposto a objetividade. Em alguns escritos, consciência é considerada sinônimo de mente. Mas a mente inclui processos mentais inconscientes, e pode ser definida como o funcionamento do cérebro imbuído de processar informações e controlar a ação de forma flexível e adaptável. A consciência tem conteúdo que, embora possa ser variado, não encontra brechas para percepções simultâneas.
Por outro lado, ela não seria somente um fenômeno passivo em resposta a estímulos, mas uma interpretação ativa construída a partir de dados externos e relações destes com os processos de memória. Algo especificamente relevante para este artigo, a consciência tem sido equiparada à vigília; eventualmente até são tidas como sinônimos. No entanto, estar vigil não é o mesmo que estar consciente. Particularmente, encaramos a vigília como a primeira etapa para a produção da consciência. Como se aquela conferisse ao cérebro autoconhecedor as condições para perceber os estímulos internos e externos, qualificando-os a ponto de gerar conteúdo. Dali em diante, o cérebro torna-se verdadeiramente consciente.

Conclusão

A SARA teria essa missão: criar as condições para que o cérebro incorpore um estado de alerta e vigília, a ponto de produzir consciência, em conjunto com outros inúmeros fenômenos neurológicos, mais ou menos complexos, mas vitais para a construção do eu. Por tudo isso e outros tantos motivos, o assunto instiga a curiosidade. Já imaginou como seria a mente se todos os milhões de estímulos ambientais alcançassem o cérebro simultaneamente? Seleciona-se o “vital” ao passo que o “trivial” é impelido. Umas das qualidades mais inteligentes do sistema nervoso repousa justamente na seleção de estímulos.



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