Nise Ribeiro Marques, Camilla Zamfolini Hallal, Mauro Gonçalves
Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.17, n.3, p.270-6, jul/set. 2010
RESUMO: A posição sentada é a mais adotada nos ambientes de trabalho, na escola e
nas atividades de lazer. Porém, a manutenção prolongada dessa posição ocasiona
a adoção de posturas inadequadas e sobrecarrega as estruturas do sistema
musculoesquelético, o que pode acarretar dor e lesão na coluna lombar. A presente
revisão teve como objetivo identificar os fatores biomecânicos, ergonômicos e
clínicos envolvidos na sustentação da postura sentada. Para isso, foram consultadas
as bases de dados ISI Web of Knowledge, Medline, Pubmed e EBSCO Host, sendo
selecionados 72 artigos publicados entre 1965 e 2010. Foi possível identificar que
na posição sentada não existe uma postura ideal a ser sustentada, mas algumas
posturas são mais recomendadas do que outras, tal como a postura sentada ereta e
a postura lordótica. As cadeiras influenciam o padrão da posição sentada: conforme
seu design, pode permitir maior variedade de posturas. Modificações na cadeira e
a utilização de exercícios para o aumento da resistência muscular e da
propriocepção, bem como a reeducação postural, são intervenções úteis para
reduzir o impacto causado pela posição sentada prolongada no sistema
musculoesquelético.
DESCRITORES: Biomecânica; Dor lombar; Engenharia humana; Fisioterapia
(Especialidade); Postura
INTRODUÇÃO
O rápido desenvolvimento tecnológico nos países industrializados, a automação e a informatização dos postos de trabalho, que ocorreu a partir da segunda metade do século XX, foram grandes responsáveis pela adoção cada vez mais freqüente da posição sentada nos postos de trabalho. Quando mantida por longos períodos, a posição sentada leva a prolongada sustentação da flexão lombar, redução da lordose nessa região e sobrecarga estática nos tecidos osteomioarticulares da coluna, fatores esses que estão diretamente relacionados ao desenvolvimento da dor lombar. A relação entre a posição sentada e a dor lombar estimulou o desenvolvimento de diferentes tipos de cadeiras para uma melhor adequação ergonômica. Alguns pesquisadores introduziram a ideia da utilização de cadeiras mais flexíveis e de bolas de exercícios, que permitiriam maior movimentação e auxiliariam na redução da sobrecarga estática na coluna vertebral. Outros pesquisadores preferiram, no entanto, investir na modernização e adequação de assentos, encostos e suportes, que proveriam melhor estabilidade à coluna e diminuiriam a ocorrência de fadiga muscular. Entretanto, apesar do desenvolvimento da ergonomia no que tange à confecção de cadeiras e móveis utilizados nos postos de trabalho, esses instrumentos foram pouco eficazes para a prevenção de dores lombares. Assim, atualmente, o principal foco para a redução da ocorrência desse sintoma musculoesquelético é a introdução da prática de exercícios e a adoção de programas de reeducação postural. A presente revisão teve como objetivo identificar os fatores biomecânicos, ergonômicos e clínicos envolvidos na sustentação da postura sentada.
METODOLOGIA
Foi realizada busca de estudos científicos
em inglês nas bases de dados ISI
Web of Knowledge, Medline, Pubmed
e EBSCOHost utilizando as palavras-chave:
seat, electromyography and seat,
intradiscal pressure and seat, prolonged
sitting, anthropometry and sitting
posture, anthropometry and chair, sitting
posture and biomechanics, sitting
posture and chair, sitting posture and
EMG, sitting posture and low back pain,
sitting posture and human engineering
e sitting posture and backache. Foram
encontrados 72 artigos publicados entre
1965 e 2010, dos quais a maior parte,
os mais significativos, são comentados
e discutidos a seguir.
A POSTURA SENTADA
A Academia Americana de Ortopedia
define postura como o estado de
equilíbrio entre músculos e ossos com
capacidade para proteger as demais estruturas
do corpo humano de traumatismos,
seja na posição em pé, sentado
ou deitado. A postura também pode indicar
a posição relativa dos segmentos
corporais durante o repouso ou atividade.
Assim, a manutenção de uma boa
postura durante uma atividade específica
depende de uma interação complexa
entre as funções biomecânicas e
neuromusculares.
Uma boa postura deve ser aquela que
previne movimentos compensatórios,
distribui adequadamente as cargas e
conserva energia. Entretanto, apesar da
grande aceitação clínica dos aspectos
que influenciam a formação de uma boa
postura, pouco se sabe acerca de métodos
quantitativos para caracterizá-la.
A posição sentada, por sua vez, é
definida como a situação na qual o peso
corpóreo é transferido para o assento da
cadeira por meio da tuberosidade
isquiática, dos tecidos moles da região
glútea e da coxa, bem como para o solo
por meio dos pés. No entanto, sentar é
uma ação dinâmica que deve ser vista
como um comportamento e não somente
como uma condição estática.
A posição sentada é estudada há vários
séculos e os conceitos acerca de uma
postura ideal nessa posição se alteraram
ao longo de décadas. No século XIX a
crença na necessidade de sentar-se com
as costas retas refletiu-se no design do
mobiliário escolar da época, que apresentava
encostos verticais e assentos
horizontais planos. No século XX, o foco
na adequação ergonômica das cadeiras
aumentou, sendo desenvolvidos assentos
e encostos com formatos que se
adéquam melhor ao corpo humano. As
cadeiras passaram a possuir molas e
amortecedores para aumentar a possibilidade
de movimentação e o conforto.
Para entender melhor a posição sentada,
vários pesquisadores classificaram
essa posição de acordo com diferentes
pontos de referência. Harrison et al. utilizou o posicionamento do centro de
massa (CM) e classificou a posição sentada
em três diferentes posturas: a anterior,
caracterizada pelo posicionamento
do CM à frente da tuberosidade isquiática e obtida quando a pelve é antevertida;
a posterior, caracterizada pela
posição posteriorizada do CM em relação à tuberosidade isquiática e obtida
com o movimento de retroversão da
pelve; e a medial, que é caracterizada
pelo posicionamento do CM coincidente
com a tuberosidade isquiática e ocorre
quando a coluna lombar está em posição neutra.
Pynt et al. classificaram a posição
sentada de acordo com as curvaturas da
coluna em: postura sentada flexionada,
que ocorre quando há inversão da curvatura
normal da coluna lombar, o que
gera uma cifose nessa região; e postura
lordótica, que ocorre com a manutenção da curvatura lombar normal.
O’Sullivan et al. e Callaghan e Dunk também classificaram a posição sentada
conforme as curvaturas da coluna em:
postura lombo-pélvica sentada ereta,
definida como a postura na qual a pelve,
a lordose lombar e a cifose torácica estão
em posição neutra (Figura 1A); em
postura sentada em relaxamento (slump),
caracterizada pela retroversão da pelve,
o que reduz a lordose lombar (Figura 1B);
e em postura torácica ereta, com a
anteversão da pelve, que gera um aumento
da curvatura lombar (Figura 1C).
Além da postura, outro aspecto importante
ao analisar a posição sentada é o
tempo em que esta é sustentada. Várias
mudanças na postura são recomendáveis
para não gerar desconforto ou fadiga e
o tempo médio de intervalo entre duas
trocas consecutivas deveria ser de 5 minutos.
Além disso, a permanência nessa
posição por mais de quatro horas representa um risco para o desenvolvimento
de dor lombar.
Variáveis biomecânicas
O posicionamento das curvaturas da
coluna está relacionado com a distribuição das cargas. A postura sentada reta,
na qual os ângulos dos quadris, tronco,
joelhos e tornozelos são mantidos em
90º, cria tensão nos isquiotibiais e nos
glúteos, o que causa retroversão da
pelve, horizontaliza o ângulo sacral e
retifica a lordose lombar. Isso gera um
aumento das cargas compressivas no
disco intervertebral, além de acarretar
fadiga dos eretores espinhais (músculos
que devem estar ativos para manter a
postura sentada ereta)15.
A postura sentada cifótica da coluna
lombar, caracterizada quando o ângulo
entre as vértebras S1 e L1 é menor ou
igual a 22º, aumenta em 85% a pressão
intradiscal (PID). A carga compressiva e
a manutenção por mais de seis horas na
postura cifótica reduz a altura do disco
em 2,1 mm. Essa redução na altura
do disco intervertebral pode acarretar
degeneração discal.
A postura sentada lordótica, caracterizada
pela manutenção de um ângulo
de aproximadamente 47º de lordose
lombar, apresenta redução da PID, quando
comparada à postura cifótica. Essa
redução na PID é resultado da baixa tensão
nos ligamentos posteriores e redução
da atividade dos músculos extensores da
coluna. No entanto, estudos recentes
mostraram que esta apresenta valores
semelhantes na posição em pé e sentada.
Isso está relacionado com o tipo de
método utilizado na mensuração da
PID. Na década de 1960, os valores
encontrados por Nachemsom, que utilizou
transdutor líquido de polietileno,
foram de 1,24 MPa na posição sentada,
enquanto Wilke et al., no final da década de 1990, que utilizaram transdutores
piezoresistivos, encontraram valores
de 0,5 MPa para a postura em pé e 0,6
MPa para a postura sentada. Além disso,
um estudo que mediu a PID por meio de
transdutores de agulha identificou uma
ampla variação nos valores médios entre
os sujeitos, além de verificar valores
menores de PID na posição sentada em
relação à posição em pé. Assim, se a
posição sentada é um fator causal da dor
lombar, isso não pode ser diretamente
relacionado aos efeitos dessa posição na
PID.
Estudos eletromiográficos também
demonstraram que as posturas com aumento
ou redução na curvatura lombar, quando
comparadas a postura com essa curvatura
em posição neutra, apresentam menor
atividade dos músculos oblíquo interno e
multífidos lombares superficiais. Além
disso, a manutenção da postura neutra
também auxilia o controle neuromuscular
dessa região.
ASPECTOS ERGONÔMICOS
Na posição sentada, a maior parte do
peso do corpo é transferida para uma
área de suporte na tuberosidade isquiática e tecidos moles. Assim, se não houver
um apoio correto na região lombar,
a pressão intradiscal pode ser elevada
em até 35%. Para reduzir a pressão
intradiscal é necessária a inclinação para
trás do encosto e a presença de suporte
lombar adequado.
Os suportes lombares, apoios de braços, inclinação do assento e do encosto,
a liberdade para movimentação, as
cadeiras com regulagem de altura e o
assento curvado anteriormente têm sido
apontados como componentes ergonômicos redutores da sobrecarga no sistema
musculoesquelético na posição sentada
e estão associados à elevação das
taxas de conforto.
Os suportes lombares de até 3 cm
promovem maior apoio para essa região
e previnem a diminuição da curvatura
lombar. Nesse sentido, Goossens et al. utilizaram eletromiografia para verificar
a influência do suporte escapular no efeito
do suporte lombar. Para isso utilizaram
cinco diferentes distâncias (0, 2, 4, 6
e 8 cm) entre a tangente do apoio lombar
e a tangente paralela do apoio escapular
(Figura 2), sendo essas distâncias chamadas
de espaço livre para o ombro. Os
autores concluíram que o espaço livre
para o ombro deve ser de pelo menos 6
cm para permitir melhor adaptação ao
contorno da coluna e fornecer apoio
lombar. A Figura 2 representa os efeitos
do suporte lombar na maior distância (A),
na intermediária (B) e na menor distância (C) de espaço livre para os ombros.
Resultados de estudos sobre a atividade
eletromiográfica e das pressões
intradiscais revelaram que o ângulo de
inclinação assento/encosto deve ser de
aproximadamente 120º horizontalmente,
considerando a região posterior do
assento no máximo 10º inclinada para
trás. A altura correta do assento deve ser
menor que a distância do joelho ao pé, o
que elimina a pressão na fossa poplítea.
Os encostos devem estar um pouco abaixo
dos ombros (pelo menos 6 cm) para
evitar que ocorra extensão na coluna
lombar com um conseqüente aumento
na lordose dessa região, gerando assim
anteriorização da vértebra L5 (Figura 3).
As cadeiras dinâmicas, que têm molas
e amortecedores, aumentam a possibilidade
de movimentação do indivíduo
na posição sentada. Isso contribui para
a difusão dos nutrientes através da placa
vertebral terminal, o que promove a
nutrição do disco intervertebral. O
uso de bolas de exercícios em comparação
ao uso de cadeiras de escritório
convencionais não apresenta diferenças
significativas na atividade eletromiográfica
dos músculos do tronco. Entretanto,
sentar-se em uma bola de exercícios gera
coativação dos músculos flexores e
extensores de quadril, o que possibilita
maior estabilidade da coluna lombar e
melhor controle neuromuscular.
A antropometria também é outro fator
que deve ser levado em consideração. Vários estudos recentes sugerem
que existe uma incompatibilidade entre
as medidas antropométricas e o mobiliário
encontrado em escolas e postos de trabalho.
Nesse sentido, são recomendadas
a utilização de mesas e cadeiras
equipadas com mecanismos ajustáveis
de altura e largura.
EFEITOS NO SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO
A estabilidade da região lombopélvica
ocorre pela ação interdependente
de três subsistemas: o passivo,
composto pelas estruturas articulares da
coluna; o ativo, composto pelos músculos
do tronco; e o neural, formado pelas
estruturas do sistema nervoso. Assim,
quando algum desses subsistemas apresenta
falha, os demais operam de modo
compensatório para manter a estabilidade.
No entanto, se essas compensações
ultrapassarem os limiares fisiológicos das
estruturas, gerando sobrecarga mecânica,
ocorrerá lesão.
A adoção de posturas inadequadas na
posição sentada altera a atividade muscular
e desencadeia mecanismos que
põem em risco a integridade do sistema
musculoesquelético. Snidjers et al. documentaram uma redução na atividade
eletromiográfica do músculo oblíquo
interno quando compararam a posição
sentada ereta à posição sentada com as
pernas cruzadas, sugerindo que isso reflete
o maior recrutamento das estruturas
passivas para estabilizar a articulação sacroilíaca.
O funcionamento do subsistema
neural, composto por mecanorreceptores
e nervos, também é afetado pela sobrecarga
das estruturas passivas. Segundo
Gedalia et al., quando as estruturas
viscoelásticas se apresentam sobrecarregadas
e deformadas, a sensibilidade
dos mecanorreceptores diminui e há
perda na resposta reflexa dos multífidos,
comprometendo a estabilidade e
propriocepção local.
Para tentar reduzir o impacto da postura
sentada nas estruturas osteomioarticulares,
algumas posturas são apontadas
como mais saudáveis, como a
postura lordótica, que diminui a pressão
intradiscal, a degeneração do disco
e exibe menores níveis de lesão por tensão
ligamentar. Além disso, movimentos
como estender as pernas e colocar
um tornozelo sobre o outro contribuem
para prover estabilidade à pelve e coluna
lombar.
No entanto, apenas a adoção de uma
boa postura e a utilização de mobiliário
correto não são medidas suficientes para
reduzir a sobrecarga nos tecidos
osteomioarticulares. Um bom condicionamento
do sistema muscular também é
necessário para prover estabilidade à
coluna. Nesse sentido, Pelham et al. e Womersley et al. sugeriram que no
tratamento da dor lombar de origem
postural as condutas mais indicadas seriam
a interrupção de longos períodos
na posição sentada, adequação do mobiliário e a realização de exercícios e
técnicas manipulativas, como por exemplo
o método McKenzie.
Além da dor lombar, outros sintomas
e doenças musculoesqueléticas estão
presentes em indivíduos que mantêm a
postura sentada por longo tempo. Dores
no pescoço, costas, joelhos e coxas
são comuns entre os motoristas de ônibus
(entre 35 e 60%) com jornada de
trabalho de 9 a 10 h por dia durante cinco
dias na semana.
Portanto, intervenções com exercícios
que aprimorem a resistência muscular e a
propriocepção, bem como a reeducação
postural, são atualmente utilizadas para
diminuir os efeitos negativos da posição
sentada prolongada.
CONCLUSÃO
O sentar é uma situação dinâmica
que deve ser vista como um comportamento
e não somente como uma condição estática. Assim, na posição sentada
não existe uma determinada postura a
ser sustentada. Entretanto, algumas posturas
são mais recomendadas do que
outras, tais como a postura sentada ereta
e a postura lordótica. Além disso, um
tempo de manutenção da postura sentada
maior que quatro horas pode representar
um risco para o sistema
musculoesquelético.
As cadeiras também influenciam o
comportamento de sentar, sendo que
algumas permitem maior troca de posturas.
Acessórios como suportes lombares
e apoios para braços, bem como a
inclinação e a altura do encosto e do
assento são componentes ergonômicos
que reduzem a carga mecânica na coluna
durante a posição sentada.
Posturas inadequadas, fadiga muscular,
baixa propriocepção e sobrecarga nas
estruturas osteomioarticulares causadas
pela posição sentada prolongada são
fatores de risco para o aparecimento de
dor e lesão lombar. Dessa forma, um
conjunto de medidas como modificações no mobiliário, exercícios para o
aumento da resistência muscular e
propriocepção, bem como a reeducação
postural são intervenções importantes
para reduzir o impacto do sentar no sistema
musculoesquelético.
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